No Código Forte entrevistamos pessoas. Pessoas que se entregam com convicção a projetos, ideias, ações. Pessoas empenhadas na construção de soluções melhores para os diversos desafios actuais e que preservem um futuro digno e sustentável para as gerações vindouras.
No Código Forte entrevistamos pessoas. Pessoas que se entregam com convicção a projetos, ideias, ações. Pessoas empenhadas na construção de soluções melhores para os diversos desafios actuais e que preservem um futuro digno e sustentável para as gerações vindouras.
Um dos objetivos da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento é o contributo para o desenvolvimento de sociedades humanas que respeitem a diversidade e os Direitos Humanos. No entanto, se por um lado assistimos a um maior debate e reflexão sobre diversas problemáticas, por outro parece haver uma cada vez maior polarização de ideias que ganha relevo nesta era de comunicação desinformada e alimenta com frequência opiniões não fundamentadas e atitudes que vão no sentido oposto ao respeito pelos Direitos Humanos. Nesse sentido, pergunto-lhe como é que nos países em vias de desenvolvimento, os mais fustigados por este desrespeito, se consegue munir a sociedade civil de uma capacidade crítica e de ação que contrarie o estado da situação?
Sim, é verdade que os ataques aos Direitos Humanos se verificam nos países em desenvolvimento, mas também é verdade que os atropelos aos direitos humanos se verificam infelizmente por todo o mundo e temos inclusivamente também o exemplo de países na União Europeia em que o espaço da sociedade civil está sofrer diversas pressões. Agora, em vários países em desenvolvimento os índices de violação dos Direitos Humanos são muito elevados e enquanto houver pessoas em algum lugar do mundo a quem são negados os mais elementares direitos, as organizações da sociedade civil estarão sempre a fazer a sua defesa. Por isso, do ponto de vista das organizações da sociedade civil e da sua actuação, nestes países estas organizações têm tido um papel fundamental de denúncia perante casos de desrespeito dos direitos humanos e muitas destas organizações estão a fazer um trabalho excepcional de monitorização das práticas a nível governamental e de outros sectores.
Muitas das ONGDs portuguesas trabalham em estreita colaboração com as organizações locais, organizações parceiras, numa parceria em que os dois lados se capacitam mutuamente neste trabalho de monitorização e vigilância pelos Direitos Humanos. Também a própria Plataforma tem vindo a desenvolver um trabalho de parceria muito estreito com as plataformas de ONGs dos países de língua oficial portuguesa, que foi materializado na criação da RePLONG, a rede de plataformas lusófonas de ONGs. Tanto a Plataforma como esta parceria entre diferentes ONGs lusófonas, tem tido a preocupação de trazer para Portugal as inquietações que as nossas plataformas homólogas manifestam procurando projectar os seus desafios, as suas prioridades, as suas reivindicações e as suas recomendações. Isto porque acreditamos muito que o diálogo entre os povos não se pode restringir apenas ao diálogo entre os governos mas também à colaboração entre a sociedade civil e entre as organizações da sociedade civil, isto do ponto de vista da sociedade civil organizada.
Agora tentando responder à sua pergunta, do ponto de vista dos cidadãos, acredito muito que passa pela educação, por um forte investimento no sector da educação, porque aí se preparam cidadãos informados, esclarecidos, com pensamento crítico, com capacidade de mobilização e reação a diferentes situações, como a violação e o desrespeito pelos Direitos Humanos.Em Portugal e na Europa a Educação para o Desenvolvimento tem também um papel muito importante, como referia, nesta era da desinformação e das notícias falsas. A educação para o desenvolvimento tem um papel muito importante no reforço das democracias porque procura olhar para a realidade, para aquilo que acontece, num processo de permanente aprendizagem, de transformação social orientada para a justiça e para bem comum e neste sentido a educação para o desenvolvimento tem um papel crucial no entendimento dos desafios globais, dos próprios desafios que se colocam ao processo de desenvolvimento, tem um papel muito importante no reforço do pensamento e da reflexão crítica, da mobilização dos cidadãos, na consciencialização e mobilização da opinião pública. Por isso, acredito muito que a educação para o desenvolvimento é um instrumento imprescindível na formação de uma sociedade civil informada e esclarecida e nesta era que que vivemos um perigo muito grande de desinformação, de notícias falsas, em que há um terreno muito fértil para movimentos populistas ganharem espaço, a educação nas suas diferentes vertentes, educação formal, educação não formal, educação para o desenvolvimento, é uma ferramenta que pode contrariar e travar estes movimentos.
Um dos reveses deste contexto pandémico foi, de certa forma, uma maior concentração global nos problemas nacionais, com implicações nas políticas económicas de forma transversal. Nesse contexto, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento que já vinha por diversas razões a sofrer um decréscimo, fica mais comprometida e coloca em causa os Direitos Humanos e o reforço de sociedades mais democráticas nos países de destino da ajuda. Quais são os grandes entraves ao financiamento e que ações a Plataforma Portuguesa de ONGDs prevê desenvolver neste contexto?
Sim, este contexto pandémico traz este grande perigo de ficarmos muito centrados nos nossos quadrados, como hoje quase todos nos encontramos, aqui nestes quadrados virtuais e o mesmo acontece a nível das relações internacionais, esta preocupação muito grande de olhar para dentro e de ficarmos muito concentrados na resolução dos nossos problemas domésticos, dos nosso problemas nacionais e a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) é um instrumento único na afirmação da solidariedade global para o qual não há substituto na combate à pobreza e às desigualdades sociais e económicas. Por ser um mecanismo que é a fundo perdido, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento permite canalizar recursos necessários para regiões em situação de maior vulnerabilidade sem que seja necessária qualquer moeda de troca e o momento que vivemos, de forte contração da economia global devido à crise pandémica é seguramente um momento de reforçar este instrumento, é aliás num momento como este que importa reforçar um instrumento como a APD.
Agora, como disse e bem, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento tem vindo a decrescer, em Portugal também. Os últimos dados, já dados de 2020, revelam isso mesmo e por isso temos que ter especial atenção e a Plataforma tem vindo a apelar para que haja em Portugal uma calendarização para um aumento progressivo das verbas disponibilizadas anualmente, para que seja possível até 2030 atingir o objetivo pretendido, porque Portugal está muito longe de atingir os objectivos internacionais com que se comprometeu, de dedicar 0.7% do Rendimento Nacional Bruto para Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Também dentro destes 0,7% apelamos muito a que entre 0,15% a 0,20% sejam dedicados aos Países Menos Avançados que é uma situação que nos preocupa bastante e para a qual trabalhamos, no sentido de conduzir à sua concretização. Entendemos também que esta calendarização poderá trazer vários benefícios, que vão para além de uma mera dimensão quantitativa, para além de obviamente aumentar as verbas disponíveis, mas traz outro tipo de benefícios como a maior previsibilidade e a maior capacidade de planeamento. É por isso que esta discussão vai muito para além da mobilização dos fundos para a cooperação, é importante que a qualidade da nossa cooperação não dependa apenas de aumentarmos a nossa contribuição anual, mas também da forma como definimos os objetivos dessa contribuição, os mecanismos, os instrumentos da ajuda, da forma como envolvemos os países parceiros e outros atores, na sua construção, portanto há aqui vários apelos dentro desta questão de aumentar a verba disponível. Há outras questões que vão muito para além da quantidade da verba disponibilizada e que para nós são muito importantes, nomeadamente esta questão de envolvermos os países parceiros neste mecanismo. Agora a APD também é um instrumento único na relação entre países com níveis diferentes de desenvolvimento e no caso dos Países Menos Avançados e das regiões mais afetadas pela desestabilização provocada pela própria pandemia, o financiamento para o desenvolvimento é mesmo o instrumento essencial que permite colmatar as dificuldades no acesso aos mercados financeiros em condições que permitam a satisfação das necessidades das populações.
A questão do combate às alterações climáticas é omnipresente e um dos maiores desafios com que nos confrontamos. Ao longo dos anos assistimos a avanços e recuos, apesar do Acordo de Paris e parece ser extremamente difícil encontrar e aplicar consensos. Um dos problemas prende-se com a possibilidade de atuar a nível nacional, o que implica que atingir as metas climáticas numa determinada região pode ser conseguido revertendo os custos ambientais para países em vias de desenvolvimento, seja pela exportação de lixo, seja pela externalização da produção, ou outros, com impactes negativos múltiplos para os países visados. Sendo esta uma questão transversal a países desenvolvidos e em desenvolvimento e sendo estes os países com maior vulnerabilidade climática, como é que se gere esta dualidade? O que é que tem de mudar nas políticas e financiamento relativos à mitigação e adaptação às alterações climáticas para se chegar a resultados efetivos?
Esta questão das alterações climáticas tem também muitas incoerências, mas enquanto organizações não governamentais para o desenvolvimento, aquilo que não nos cansamos de repetir é que travar as alterações climáticas é acima de tudo uma questão de justiça e de respeito pelos direitos humanos, porque sabemos que são os países, as comunidades, as pessoas mais vulneráveis as que mais sofrem com os efeitos das alterações climáticas, mas são também as que menos contribuíram para o fenómeno. É nosso dever e responsabilidade apelar à justiça climática por duas vias: por um lado apelar a redução rápida e drástica das emissões por parte dos países industrializados e por outro no apoio dos países industrializados à mitigação, à adaptação, ao financiamento e à transferência de tecnologia para os países mais afectados.
Agora, os relatórios divulgados a cada ano traduzem a insuficiência das respostas da comunidade internacional e mostram quão longe estamos da trajetória desejável. As actuais contribuições nacionalmente determinadas, que são os compromissos climáticos que cada país assume para si, neste momento representam apenas 1/3 da redução das emissões necessária para limitar o aquecimento global a 1,5°C que é aquilo a que idealmente se propõe o Acordo de Paris, propõe 2°C idealmente 1.5 ºC.
Com os compromissos assumidos neste momento pelos países, esta redução representa 1/3 disso, da redução das emissões que é necessário atingir para limitar o aquecimento a 1.5 ºC, portanto isto mostra o quão longe ainda estamos na luta pelas alterações climáticas e aliás com estas metas caminhamos para um aumento da temperatura até 3,2°C ou seja, estamos ainda muito longe do caminho.
Há aqui várias questões que não são muito consensuais. O Acordo de Paris estabelece um princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas e respetivas capacidades, quer dizer que os países com maiores responsabilidades nas alterações climáticas devem contribuir com a sua parte correspondente para reduzir as emissões e também apoiar, como dizia há pouco, os países com menos capacidades. Agora, para sermos efetivos nestes desafios, as organizações da sociedade civil têm feito vários apelos, até do ponto de vista do financiamento climático, mas secalhar destacava aqui três ou quatro pontos.
Um apelo que fazemos é sobre a necessidade de reforçar a legislação europeia, no sentido de responder de forma eficaz às metas climáticas, sem recorrer como dizia na sua pergunta, à externalização dos custos e dos impactos para países em desenvolvimento e uma das formas de fazer isto é através da economia circular, por exemplo. Temo-nos batido bastante por esta questão. Uma outra forma é eliminar os subsídios e apoios diretos ou indiretos a combustíveis fósseis e aqui colocamos a meta de até 2025 podermos eliminar o apoio e subsídios a combustíveis fósseis, aumentando progressivamente o apoio às energias renováveis e tecnologias limpas, com a respectiva requalificação dos trabalhadores. Um outro ponto pelo qual também nos batemos, é o do reforço da contribuição da União Europeia e da sua ação multilateral para atingir uma meta internacional de 100 mil milhões de dólares americanos por ano, para apoiar os países em desenvolvimento a combater as alterações climáticas. E neste combate dar prioridade aos países e comunidades mais pobres e mais vulneráveis, particularmente os Países Menos Avançados. Por fim e também muito importante, é assegurar que os financiamentos climáticos consistem em fundos novos e adicionais e não colocam em risco os orçamentos da ajuda ao desenvolvimento humano em sectores sociais nos países mais pobres, como na educação e na saúde, ou seja, aquilo a que apelamos é que para um problema adicional haja fundos adicionais e que o financiamento climático não absorva os orçamentos da ajuda ao desenvolvimento humano. Quanto mais os efeitos das alterações climáticas se agravam maiores são os custos da sua adaptação e isso vai criando cada vez mais dificuldades aos países onde as capacidades de resposta são fracas e os recursos financeiros são escassos. Para além disto, há uma questão que para nós também é importante e que tem a ver com esta questão da solidariedade internacional e global e também de justiça climática e que é aliás uma das questões mais controversas do Acordo de Paris e também nas negociações internacionais, que é a restituição das perdas e danos decorrentes dos efeitos das alterações climáticas.
O artigo 8º do Acordo de Paris prevê medidas concretas para colmatar estas perdas e danos causados por desastres climáticos, que afetam essencialmente os países mais vulneráveis, mas os países desenvolvidos opõem-se a este mecanismo que é o chamado mecanismo de Varsóvia. Ainda não foi possível chegar a um acordo sobre estas formas de compensação e a forma de o fazer, esta foi aliás uma das principais questões de discórdia na última COP25* em Madrid em Dezembro de 2019. Este foi um dos calcanhares de Aquiles dessa COP 25, foi este mecanismo de compensação pelas perdas e danos. Eu tive a oportunidade de participar do lado da sociedade civil nessa COP em Madrid e houve uma indígena, directora executiva do International Indian Treaty Council, que partilhou uma história ancestral da sua comunidade, que é uma metáfora sobre esta questão das alterações climáticas. *COP 25 – a 25.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Ela contava esta história, de que se pusermos um sapo numa panela com água a aquecer lentamente o sapo não reage, não salta e acaba por morrer. Mas se tivermos uma panela com água a ferver e pusermos o sapo lá dentro ele imediatamente salta e sobrevive. Esta história indígena ancestral é uma metáfora muito interessante para esta a inação global perante a actual crise climática. O ritmo negocial não coincide com a urgência da ação e é necessário fazer mais e mais rápido.
Como é que se conciliam as metas climáticas e políticas públicas, como por exemplo o Pacto Ecológico Europeu, com a vigência do Tratado da Carta da Energia que implica uma ameaça à ação climática global eficaz, uma vez que torna possível que grandes empresas poluidoras processem os Estados que assinaram a Carta quando as ações em prol do clima afetam os seus lucros? Em particular, considerando a fragilidade estrutural dos países em desenvolvimento e a dificuldade de uma resposta organizada contra empresas dotadas de meios jurídicos fortes, como é que os Estados preservam o seu direito e capacidade de agir em prol dos cidadãos e do ambiente neste contexto?
Essa é uma situação muito crítica e que nos preocupa e a Plataforma subscreveu recentemente uma petição que apela ao governo português para que promova junto da Comissão Europeia uma saída coordenada dos Estados Membros do Tratado da Carta da Energia precisamente porque o Tratado tem várias ameaças e nomeadamente ameaça uma acção climática eficaz. É sabido que o Tratado é incompatível com o Acordo de Paris, porque o Tratado já protege mais emissões de CO2 do que a União Europeia pode cumprir para atingir a limitação do aquecimento global da temperatura a 1,5°C.
Só para percebermos aqui, sem entrar em questões muito técnicas, no Tratado já estão protegidas no período entre 2018 e 2050, 148 gigatoneladas de CO2 e para evitar uma subida da temperatura até 1,5ºC o volume total de emissões associado à União Europeia terá de ser limitado a 30 gigatoneladas portanto é muito discrepante, não é compatível com o Acordo de Paris. A própria Comissão Europeia considera que o Tratado está ultrapassado, não é conciliável com o Acordo de Paris. A União Europeia quer ser líder no combate às alterações climáticas e apresentou, há dias, a sua estratégia de adaptação às alterações climáticas não sendo o Tratado compatível com as metas climáticas que a União Europeia tem. A Comissão apresentou uma proposta de reforma do Tratado no início de 2020, nomeadamente no que toca às cláusulas de proteção dos investidores, de alterações climáticas, de transição para energias renováveis e até já pôs publicamente a hipótese de abandonar o Tratado. Aliás, alguns países como a França, Espanha e Luxemburgo já demonstraram publicamente o apoio a esta saída. A este respeito, o Tratado é uma questão realmente muito crítica, mas a este respeito queria também realçar a importância das discussões que estamos a ter agora, em torno de acordos comerciais, nomeadamente no âmbito das negociações entre a União Europeia e o MERCOSUL que poderão constituir uma ameaça real aos avanços nas metas ambientais, dada a natureza das práticas regionais não reguladas nesta área. Por isso, aqui é importante também, garantir a coerência das opções tomadas a este respeito, que passam inevitavelmente por considerar os seus impactos nos objetivos definidos em matéria ambiental.
Agora, sobre isto tudo, também é importante referir que o sector privado é fundamental para realizar a agenda 2030. São vários os actores, de vários sectores sociais, organizações da sociedade civil, governos, sector privado e todos somos necessários para realizar e fazer cumprir a agenda 2030. É importante percebermos que este potencial do sector privado só pode ser alcançado caso a mobilização deste sector seja acompanhada de mecanismos que permitam regular a sua intervenção. O caso do Tratado da Carta de Energia é um caso gritante e por isso defendemos muito que a intervenção do sector privado deve ser centrada na necessidade das pessoas. Tem de haver um enquadramento internacional, multilateral, no quadro das organizações internacionais e tem de haver uma definição de legislação neste sentido porque só assim conseguimos atingir as metas ambientais e de respeito pelos Direitos Humanos.
Tem de haver um equilíbrio e um respeito, porque esta questão do Tratado é muito gritante e estas grandes multinacionais têm um poder sobre os estados muito grande e a sua actuação acaba por colocar em causa metas que por outro lado estamos a tentar atingir e há aqui uma incongruência.
Não temos dúvidas de que todos somos necessários para fazer cumprir a agenda 2030, que é o grande chapéu de chuva, ou a grande esperança para vivermos todos num mundo menos desigual e com menos pobreza, mas tem de haver aqui umas balizas e uma regulamentação, definição de legislação, que nos permita defender as pessoas e as metas ambientais, no fundo as pessoas e o planeta.Considerando a vulnerabilidade estrutural destes países e a persistência de condições de pobreza extrema, que só por si se tornam limitantes na construção de uma sociedade civil mais esclarecida, interventiva e com capacidade de argumentar sobre o próprio futuro, como é que a Plataforma perspetiva a cooperação para o desenvolvimento no futuro? Quais são as áreas que identifica como transformadoras na construção de sociedades mais preparadas e resilientes nestes contextos de carência multifatorial?
Nós vivemos num mundo muito complexo onde a arquitectura internacional da ajuda ao desenvolvimento é também uma arquitectura complexa, porque tem novos doadores, novos actores, novas geografias, novas formas de actuar até novos entendimentos sobre a ajuda. Agora, nesta complexidade, há uma coisa que nenhuma organização que trabalha na área do desenvolvimento pode deixar de fazer que é o diálogo com os parceiros e as autoridades locais e reforçar as capacidades de intervenção e de actuação nos diferentes domínios dos países parceiros, aprofundando a relação com estes países na própria definição das prioridades de intervenção mas também na apropriação dos objetivos que forem acordados mutuamente. Só assim será possível alinhar os objetivos, definidos com cada país, com as reais necessidades das populações em situação de maior vulnerabilidade. Mas isto não depende exclusivamente, entendemos nós, do envolvimento das autoridades oficiais dos países mas também, e a plataforma tem insistido muito nisto, é importante envolver a sociedade civil dos países parceiros ao nível de definição das próprias estratégias de cooperação.
É muito importante também assegurar uma maior representação dos países em desenvolvimento nos processos de tomada de decisão nos grandes fóruns multilaterais dando voz às suas preocupações e soluções. A promoção de processos participativos inclusivos é um passo muito importante para a construção de melhores políticas de desenvolvimento que promovam verdadeiros processos de transformação social, de construção de sociedades mais preparadas, mais resilientes. A nível nacional a estratégia de cooperação portuguesa terminou o seu período de vigência em Dezembro de 2020 e portanto estamos num período de vazio enquanto não é construída uma nova estratégia. Mas a Plataforma Portuguesa de ONGDs organizou com as suas associadas, um processo de reflexão interno, a partir de Outubro do ano passado, que deu origem à “Visão da Plataforma Portuguesa das ONGD sobre o futuro da Cooperação Portuguesa”. Este documento é o resultado dessa reflexão interna e conjuga aquilo que são os nossos contributos para o documento de elaboração da política externa portuguesa, que deverá começar a ser trabalhado ainda este ano e sobre no qual apresentamos uma visão clara sobre qual deverá ser esta estratégia. Entre muitas outras coisas, realçamos esta relação estreita com os países parceiros e podermos dar voz aos países parceiros.Portugal assume agora a Presidência do Conselho da União Europeia. Como é que a Plataforma vê esta oportunidade para consensualizar ações concretas e que perspectivas tem para esta presidência do ponto de vista da cooperação para o desenvolvimento?
As presidências do Conselho da União Europeia representam sempre uma janela de oportunidade para as organizações da sociedade civil nos países que assumem cada presidência. É uma oportunidade para as organizações enfrentarem os desafios actuais, defenderem tomadas de decisão política responsáveis, defenderem uma cidadania global ativa e nesse sentido a presidência portuguesa é uma grande oportunidade para as organizações da sociedade civil em Portugal.
A Plataforma promoveu também um processo de auscultação às organizações da sociedade civil portuguesas, precisamente sobre as prioridades da presidência portuguesa, que envolveu cerca de 150 entidades de várias áreas, foi uma auscultação mais alargada, não foi só às nossas associadas e foi um processo muito interessante que resultou num documento, a “Visão da sociedade civil portuguesa para a presidência portuguesa do conselho da União Europeia”.Nesse documento apelamos à União Europeia para que tenha um papel de liderança, tanto nas suas políticas internas, como também na ação externa e que contribua para um desenvolvimento global através de uma transição global justa, sustentável, resiliente nas suas diferentes vertentes, social, ambiental, económica e de governança. Há muitas questões e dossiers este semestre, mas aquilo que as organizações da sociedade civil trazem para o debate e sobretudo para os processos decisórios, são cinco aspectos centrais sobre os quais a presidência portuguesa não pode perder o foco. O primeiro é afirmar uma Europa solidária e respeitadora dos compromissos para o desenvolvimento global e priorizar o desenvolvimento humano e a resposta equitativa à pandemia de COVID 19. O segundo é garantir a implementação da Agenda 2030, a promoção da democracia e do estado de direito e a protecção dos espaço de acção da sociedade civil, que é um tema que nos é muito caro. Um terceiro aspecto fundamental é poder implementar o Pacto Ecológico Europeu, combater a crise ecológica e promover um processo de transição climática justa. E enquanto implementa o Pacto Ecológico Europeu também combater as desigualdades, as discriminações e a exclusão social. Depois, de uma forma transversal, entendemos que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia deve priorizar a definição de políticas coerentes, com o imperativo do desenvolvimento sustentável e a afirmação dos valores e princípios democráticos do estado de direito, internamente mas também na sua relação com os parceiros.
Também assinalar que a sociedade civil distinguiu a importância da União Europeia não deixar ninguém para trás durante o processo de recuperação da crise provocada pela pandemia. Entendemos que, enquanto actor global, cabe à União Europeia assegurar que as populações em situação de maior vulnerabilidade tenham acesso à vacina de COVID 19 e que a recuperação, a transição climática e a transição digital sejam justas. É com base na importância de garantir que as políticas europeias promovem o desenvolvimento sustentável da União Europeia mas também dos parceiros, enquanto princípios, que assentam estas prioridades da sociedade civil para a presidência portuguesa da União Europeia. Uma das coisas que para nós também é muito importante é esta questão da coerência das políticas para o desenvolvimento, no fundo que aquilo que são políticas internas da União Europeia e dos seus estados membros, não vão contra o desenvolvimento e os esforços de erradicação da pobreza nos países parceiros da União Europeia. Portanto, entre as prioridades identificadas pela sociedade civil, esta é uma questão transversal, que realçamos sempre no diálogo com os decisores políticos, nomeadamente no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.
Uma última pergunta talvez um pouco provocadora. Se tivesse de escolher apenas uma área para reforço da cooperação para o desenvolvimento, que considere como basilar para a construção de um futuro económica, social e ecologicamente sustentável nestes países, qual seria?
Esta é uma questão difícil de responder. Talvez identifique a capacitação das pessoas e das organizações dos países parceiros e a transferência da tecnologia para os países parceiros como uma área basilar. Acredito muito que, com esta capacitação das pessoas e das organizações, os países podem ser protagonistas do seu próprio processo de desenvolvimento e daí vêm todas as outras áreas onde trabalhamos, portanto talvez dissesse isso, a capacitação das pessoas e organizações e a transferência de tecnologia. Agora há um grande chapéu de chuva, que é a Agenda 2030 que permite enquadrar tudo isto. A Agenda 2030 é também, sem dúvida, uma pedra angular na construção do futuro económico, social, ecológico e sustentável nestes países e a nível global.
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